O desafio de Belo Horizonte: será possível uma revolta contra o lockdown de Kalil? (4)
Ainda assim, fatores objetivos relevantes empurram os trabalhadores para aderirem a uma possível revolta que estoure caso não hajam medidas mitigadoras do impacto econômico e social do lockdown.
A segunda grande metrópole que se anuncia uma luta contra um lockdown é Belo Horizonte, Minas Gerais. O bloqueio total vai começar na segunda feira (11/01). Nas palavras do prefeito Alexandre Kalil:
Como pode avaliar qualquer pessoa que olhar as respostas ao tuíte, a decisão é polêmica. Trata-se de um dos lockdowns mais abrangentes: “Com exceção das praças públicas e do zoológico agendado, [a cidade] estará com serviços essenciais abertos e todo o resto fechado”. A resposta não veio apenas nas redes sociais. Na frente da prefeitura se concentraram os donos de academia, com funcionários e alunos, se manifestaram na sexta feira (dia de publicação do decreto) e anunciaram: não vão aceitar o fechamento. Eles pretendem seguir o decreto federal 10.344 que define academias de esporte como essenciais e vão abrir normais.
A Abrasel (associação de restaurantes e bares de Belo Horizonte) e grupos de comerciantes chamaram manifestação conjunta para o dia 11 de janeiro. Vejam a convocatória oficial.
Com essa chamada de “seguir o exemplo de Búzios” o pessoal dos restaurantes e comerciantes de Belo Horizonte se filia a um movimento nacional de questionamento da “ditadura sanitária” que vem se manifestando pela hashtag #AglomeraBrasil e que vem conseguindo expressivas vitórias em outras cidades. Escrevi sobre como esse movimento se manifestou em Búzios e conseguiu apoio de um setor de evangélicos, como se manifestou em várias pequenas cidades arrancando recuo do lockdown, bem como conseguiu evitar o lockdown durante as festividades de Natal e ano novo em Manaus.
Que tipo de manifestação terá em Belo Horizonte nesse dia 11 de janeiro? A mobilização das academias é uma típica mobilização patronal com “parceria” dos funcionários que sabem que correm risco de demissão com fechamento. Mas para o dia 11 existe um elemento diferente que também existiu em Manaus e em Búzios e, ao que indica os materiais produzidos para mobilização, dessa vez não se trata de algo que se espera acontecer espontaneamente, mas se está provocando: a participação dos trabalhadores precários, informais, feirantes, autônomos. Vejam essa convocatória sem assinatura que vem circulando em grupos de bairro e grupos de família:
Mas será que pega em Belo Horizonte como pegou em Manaus? Tem algumas questões que precisamos avaliar primeiro pra especular sobre isso.
Como o lockdown vai afetar esses trabalhadores que estão sendo explicitamente chamados pra luta? Tem a ver com a vida deles uma luta contra o lockdown? Essa é a primeira pergunta a se fazer.
Segundo: existem políticas de atenuação dos efeitos de um lockdown sobre a vida desses trabalhadores? Existe alguma discussão nesse sentido? Existem outros fatores que atenuariam esse impacto político?
Dados do RAIS do Ministério da Economia mostram que os empregos de Belo Horizonte tiveram uma queda de 440 mil empregos formais ou 20% durante os anos 2010.
De acordo com a Pnad Covid 19, Minas Gerais tinha 1,270 milhão de pessoas desocupadas no estado em outubro de 2020. Em 2019, esse desemprego atingia 1,123 milhão de pessoas. São 147 mil empregos perdidos. Essas pessoas vão precisar sobreviver de alguma forma.
De acordo com reportagem do Itatiaia que consultou o IBGE em outubro de 2020, “mais de 32% dos trabalhadores em Minas Gerais estão na informalidade, o que corresponde mais de dois milhões de pessoas”.
Belo Horizonte também teve, de acordo com o Ministério da Cidadania, 494 mil beneficiários do auxílio emergencial cadastrados em 2020. Pessoas que vão perder o benefício agora e vão precisar se virar.
Por outro lado, Kalil é um prefeito forte. Foi eleito com 72% de dos votos na última eleição, que foi recente e ainda está fresca na memória da população.
Ainda assim, fatores objetivos relevantes empurram os trabalhadores para aderirem a uma possível revolta que estoure caso não hajam medidas mitigadoras do impacto econômico e social do lockdown para os informais e para os empregados de comerciantes que vão alegar ser “obrigados” a demitir.