A revolta de Búzios contra o lockdown e a conexão evangélica x #AglomeraBrasil (2)
Uma rede de negócios respeitáveis como a MK Comunicação teria interesse de se envolver com uma mobilização pela internet que propõe tal enfrentamento e burla das normas sanitárias?
A parte 1 pode ser lida aqui.
BÚZIOS
Búzios deu o alarme do incêndio. No dia 17 de dezembro, a Justiça entrou com um decreto obrigando a prefeitura a retomar o lockdown. Como disse O Dia:
"A decisão judicial se baseia em Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com a Defensoria Pública em junho de 2020, e que não teria sido cumprido até o momento. Na ocasião, por exemplo, o município se comprometeu, por exemplo, ter 17 leitos de UTI para tratamento de pacientes com Covid, mas atualmente existem apenas 11”.
A prefeitura alegou que ia entrar com recurso contra a decisão. Mas no dia 18, algo inesperado aconteceu. Uma multidão de pessoas envolvendo empresários, artistas, artesãos, moradores, pessoas que dependem economicamente das atividades que seriam proibidas pelo decreto estavam nas ruas da cidade gritando “não vai fechar”.
Apesar dos principais beneficiados serem os empresários e o prefeito que era contra o lockdown, pelo registro em vídeo e pela forma de expressão (não havia carro de som centralizando as palavras de ordem, por exemplo) havia uma diversidade e amplitude maior do que esses interessados. Além disso, ao contrário dos protestos em Pipa, por exemplo, não se vê uma presença grande de funcionários uniformizados. Vejam por exemplo esse registro da passeata que ocupou a principal avenida da cidade. A manifestação tomou ares de radicalidade quando praticamente ocuparam o fórum onde estava o juiz que havia decidido pelo lockdown e cercaram os funcionários, o que pode ser visto nesse outro registro.
No mesmo dia do protesto a justiça recuou no lockdown e permitiu as atividades. Não vai fechar era palavra de ordem e não fechou mesmo. Virou “o exemplo de Búzios” na narrativa disso que agora começava a se afirmar como movimento. Quem ganhou? O prefeito que não precisou dar as condições de enfrentamento da pandemia. Os empresários que garantiram suas lotações e lucros. A população que conseguiu sobreviver, sem alternativa. Perdeu a tentativa de impor a condição sanitária sem diálogo e alternativas. Perdeu também a luta para garantir as vidas.
A revolta de Angra dos Reis
Em Angra dos Reis a coisa já havia mudado de figura pois havia precedente de Búzios, tinha acabado de acontecer a bem sucedida revolta de Manaus e o movimento tinha uma articulação nacional a partir da controversa hashtag #AglomeraBrasil.
A prefeitura de Angra dos Reis fez um decreto suspendendo atividades turísticas, funcionamento de bares e restaurantes, templos religiosos. Não fechava totalmente, mas restringia parcialmente algumas atividades turísticas principalmente. A íntegra do decreto pode ser conferida aqui.
Em protesto contra qualquer restrição, mais uma vez se mobilizaram muita mais que apenas os empresários e seus funcionários. Usaram uma tática que costuma ser usada pelos estudantes de esquerda da UFRRJ (Federal Rural do Rio de Janeiro) que é fechar a Rodovia Rio Santos. Aqui pode ser visualizado um vídeo do protesto em que dá pra ver a diversidade na composição: tem comerciantes, mas tem também autônomos que vivem do turismo enquanto agente econômicos independentes.
Uma conexão evangélica com o #AglomeraBrasil
A proibição ou restrição parcial dos templos foi pautada no decreto tanto em Angra dos Reis quanto em Búzios e não houve menção explícita de participação de pastores ou lideranças evangélicas nos protestos. No entanto, existem alguns rastros de um apoio mais discreto na internet.
A hashtag, criada para desafiar explicitamente os decretos de lockdown de fim de ano, não foi apoiada explicitamente por quase nenhum meio de comunicação de direita. Exceção é o site pleno.news que publicou notícia: “Web desafia lockdown e levanta a campanha Aglomera Brasil”. Trata-se da notícia mais compartilhada sobre o assunto (fora as de esquerda em repúdio) e é praticamente um editorial em apoio, fortalecendo a mobilização para que ela continue.
Mas o que é o pleno.news? O site se apresenta assim
“O Pleno.News é um portal de notícias focado no digital e que atua de forma independente. Lançado oficialmente em agosto de 2017, o site se propõe a ser uma referência segura de conteúdo, principalmente no momento de profusão das fake news. (...)A linha editorial é family-safe, segura para toda a família, uma lacuna no jornalismo atual e uma carência do público, que não se vê representado nos grupos de mídia”.
Entre seus colunistas Marco Feliciano, Renato Vargens, Elizete Malafaia, Bia Kicis, Arolde de Oliveira e Edvaldo Oliveira.
O portal faz parte do Grupo Mk de Comunicação. Sócias da maioria dos empreendimentos da MK, especialmente os que compartilham endereço com o pleno.news, são Marina de Oliveira de Menezes e Yvelise Assis Vieira de Oliveira. A carteira de negócios da MK é extensa e compreende: desenvolvimento de software, uma rádio, dois sites de igrejas diferentes, tratamento de dados, atividades de intermediação e agenciamento, comércio varejista e atacado de discos e DVD’s.
Um dos negócios que compartilha o endereço do Pleno News, Rua Gotemburgo, 211 São Cristóvão - Rio de Janeiro, chama-se Kronos MK e desenvolve um software de gestão digital para igrejas – que vai desde o pastoreio dos membros à emissão de carteirinhas digitais.
As notícias produzidas pelo pleno.news mais compartilhadas na internet tratam de dois assuntos – projetos de Bolsonaro e críticas a política de lockdown na pandemia. O maior entusiasta do site no facebook é Marco Feliciano.
Agora, o que um site que alardeia entre seus assets 14 milhões de visitas e 5 milhões de visitantes únicos por sua perspectiva de conteúdo Family safe tem a ver com uma hashtag que se propõe abertamente desafiar as orientações sanitárias em momento de crescimento do número de casos e de mortes? Uma rede de negócios respeitáveis como a MK Comunicação teria interesse de se envolver com uma mobilização pela internet que propõe tal enfrentamento e burla das normas sanitárias? Não posso afirmar que sim. Fato é que o site faz uma cobertura elogiosa do movimento e é o único que a fez.