As várias revoltas contra o lockdown e a luta pela sobrevivência à brasileira (1)
O que vem acontecendo nas cidades brasileiras é um fenômeno político novo, uma forma diferente dos empresários e trabalhadores interagirem politicamente com as cidades
Essa é a primeira parte de um texto de três partes. A segunda parte pode ser lida aqui e a parte final pode ser lida aqui.
Não vai fechar! Não vai fechar!
Gritava uma multidão enfurecida de empresários, comerciantes, ambulantes, trabalhadores do turismo, vendedores de artesanato e moradores de Búzios em 18 de dezembro contra a decisão judicial que proibia a entrada de turistas na cidade no fim de ano.
Queremos trabalhar! Queremos trabalhar!
Gritava outra multidão enfurecida no centro de Manaus, dia 26 de dezembro, contra o decreto do lockdown que proibia as atividades econômicas do comércio, artistas e restaurantes. A multidão fechava o trânsito enquanto permitia passarem os ônibus porque ali “passavam trabalhadores”. Depois fizeram barricadas e enfrentaram a polícia em frente à emissora A Crítica, que “não falava a verdade sobre a realidade do lockdown”.
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"Se o poder público não der o oxigênio para as empresas, teremos outro problema, que será a quebradeira", diz o empresário Marcos Casarin pra Folha de São Paulo, presidente da CDL (Câmara dos Diretores Lojistas). Será o “caos total”.
Três Lagoas, Montes Claros, Juiz de Fora, Búzios, Angra dos Reis, Manaus, Olímpia: são algumas das cidades que foram abaladas por protestos contra as restrições às atividades econômicas devido ao COVID-19. Esses protestos mobilizaram de diferentes formas artistas, empresários, trabalhadores precários, ambulantes, funcionários dos empresários mobilizados e autônomos. Dificilmente conseguirei dar um panorama completo do que aconteceu para vocês – então darei um recorte e algumas questões que saltam aos olhos com essa mobilização que soa, cheira e parece muito com revolta popular contra os governos. Primeiro uma breve tipologia do que aconteceu até agora.
Mobilização ordeira dirigida pelos empresários
Em 3 Lagoas temos o modelo de mobilização completamente controlada pelo setor dos patrões afetados pelas medidas econômicas e os trabalhadores que serão afetados por consequência. Uma manifestação ordeira, com pouca gente e cartazes, se reúne em frente a prefeitura e tira foto junto com o guarda municipal.
Em Pipa e São Miguel do Gostoso também temos outro modelo de mobilização relativamente ordeira – com a diferença de ser em desafio a uma ordem judicial de cancelamento de um evento. A maioria dos manifestantes é funcionário ou pessoas diretamente dependente dos eventos que os empresários que puxam o protesto. Eles fecham uma rodovia em Goianinha, mas com grande número de funcionários uniformizados do evento e sabendo que a vitória estava garantida. Conseguem a vitória, fazem o judiciário recuar e realizam o evento.
Mobilização “unificada” entre trabalhadores e empresários
Em Juiz de Fora e Montes Claros temos manifestações unificadas entre comerciantes, donos de restaurante e trabalhadores da música e do entretenimento. Eles produzem manifestações que levam multidões às ruas com cartazes como “artistas livres”, “músicos livres” pautando o fim das restrições do lockdown, mas também a realidade difícil da vida dos trabalhadores do setor. A coisa se dá de forma contraditória. Em Juiz de Fora recuam com o lockdown e permitem as atividades.
Já em Montes Claros permite-se apenas que os bares funcionem, mas os artistas continuam tendo suas atividades restringidas. Não se sabe se houve solidariedade na hora de negociar essa reabertura parcial, se foi decisão unilateral ou houve acordo de deixar os artistas de fora. Mas são os custos de fazer uma mobilização conjunta entre patrão e empregado.
Insubordinação oficial
Pelo menos 20 cidades em São Paulo se recusaram a mudar seu entendimento de risco da COVID-19 para zona vermelha e mantiveram o comércio e as atividades abertas normalmente, em desafio aberto ao decreto estadual de João Dória. Eles serão notificados e podem responder judicialmente.
Acabou sendo este o caso de Búzios (RJ), quando uma decisão judicial proibiu o turismo em Búzios por descumprimento de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) por parte da prefeitura em termos de garantia da saúde da população. A prefeitura entrou com recurso e declarou abertamente que a ordem judicial era injusta. Isso estourou em um movimento que saiu da oficialidade.
Revolta Popular
São mobilizações que unificam empresários, trabalhadores empregados por esses empresários e uma série de outros trabalhadores como entregadores, autônomos, mototaxistas, ambulantes que não tem vínculo direto com os empresários e alguma independência política. Essa diferente composição do “movimento” dá um caráter diferenciado pros protestos, mais descontrolado e de enfrentamento. Foi o que aconteceu em Manaus, Angra dos Reis e Búzios. Falarei com mais detalhe sobre essas três cidades na próxima parte.
Essa é a primeira parte de um texto de três partes. A segunda parte pode ser lida aqui e a parte final pode ser lida aqui.
É muito importante discutir essas manifestações que vem sendo deixadas de lado por grande parte da esquerda