The joke is on us now
Em 2013 vencemos porque brincávamos e fazíamos piada das instituições. Hoje a maior parte de nós as defende com a maior seriedade e levamos apelidinhos. Não aprendemos nada!
Audiência pública que culminou na redução judicial do aumento da passagem em junho de 2013 em Goiânia. Eu estou ao fundo representando uma organização sem CNPG: A Frente Contra o Aumento. Uso para refletir sobre como evoluiu a militância goianiense de 2013 pra 2020 e os dilemas da esquerda atual.
Essa foto pra mim sintetiza um pouco do elemento incendiário que estava no ar e que o a luta contra o aumento da passagem fez acender. Era maio de 2013 e a fagulha tava começando a chegar no barril de pólvora. Ninguém – absolutamente ninguém - tinha ideia disso.Ela tem a ver com a forma como a organização coletiva dessa luta tratava as instituições do sistema democrático. A gente não estava nem aí pra elas – porque o lugar em que se decidiam as coisas era no conflito direto. Aquilo era só um ritual. Não era sério. Por isso, era pra zuar.
À extrema esquerda, uma vereadora herdeiro do capital político da esquerda tradicional que representaria uma ‘renovação’ toma a fala. Ela está tensa. Rígida. A mãe, tradicional capitalista de esquerda, atenta, avalia e calcula as reações e pensa nos próximos passos. Ela está preocupada. Cabisbaixa, triste, revoltada, está Áurea Pitalunga, funcionária das empresas de ônibus destacada para defender a lei divina dos aumentos tarifários. A derrota tá ali, personificada. Foram os grandes derrotados desse momento. E ali no canto, ao lado do funcionário invisível da assembleia, estou eu. Rindo, relaxado, confortável na margem. Logo depois da minha fala eu desceria da mesa pra ficar gritando palavras de ordem e aloprando os defensores das empresas. Havia me voluntariado pela frente de luta – e junto com os camaradas do então Tarifa Zero Goiânia – para falar com algum fundamento sobre cada um dos motivos que a gente era contra o aumento. E pra tirar um sarro, também. Inserir o elemento de descontrole ali naquele espaço. Não ganhei absolutamente nada com isso. Foi um anti-auto-promoção. Ali era o coletivo que importava mais que tudo, também. E o coletivo estava fora e não queria estar dentro. A gente estava livre na rua, no nosso compromisso coletivo.
Por que fomos lá falar? Pra convencer as pessoas do governo a mudar de ideia? Não. A ideia era mostrar que a gente sabia o que tava fazendo, porque tava fazendo e provocar conflitos entre eles jogando o fundamento de um contra o fundamento de outro. Mostrar, também, que a gente era doido o suficiente pra desconsiderar todo o sistema deles. A gente não ia bater de frente. Eles iam tomar uma rasteira. Finalmente, iam tomar uma rasteira de volta, depois de tantos anos todo o dia nos roubando o dinheiro e a dignidade. Queríamos passar confiança para o povo. Para que ele retomasse a confiança em si mesmo. Se nós conseguimos, vocês também conseguem. Falar e lutar.
É engraçado como esse momento é pouco lembrado na hagiografia do 2013 goiano. O momento em que todas as forças políticas – UJS, MEPR, UJC, JCA, anarquistas, autonomistas, etc – concordaram em convocar uma audiência pública antes do protesto mais radical, pra preparar o tudo ou nada que ia estourar o negócio de vez. E lá foi esse doidinho que voz fala. Um outro amigo doido quis deixar registrado que se a passagem não baixasse ia rolar o molotov. Foi aplaudido por toda a burocracia e até por uns conservadores. Não houve repercussão nenhuma. Era piada, decerto. Haha. A punchline já estava chegando.
Depois que o negócio explodiu e o povo passou a entender que tudo isso era um ritual inútil que impedia o acesso às decisões, a esquerda voltou para o sagrado. Os libertários querendo impor uma outra moral rigída e outros rituais de poder aos existentes. Querendo bater de frente. A esquerda se refugiando debaixo da máquina novamente. Chorosa, chocada, séria, tensa. Enquanto eles, a extrema direita, pinta e dança com a nossa cara.
Nosso adversário ri das nossas reclamações para o papai estado, para o judiciário, quando tomamos uma rasteira ou nos chamam de apelidos. Agora temos que aprender a lutar com um inimigo que não respeita as regras que nos impõem. O aprendizado será longo. Enquanto uns choram, outros correm atrás do prejuízo...