Quem é a maioria? Os negacionistas não são!
Apesar de fazerem barulho, os negacionistas são minoria. Queria discordar de Sakamoto: a culpa da aprovação de Covas e Dória cairem não é "cansaço da população" de quarentena, mas de ser enganados!
Queria afirmar uma discordância aqui com Leonardo Sakamoto, que fala que o enfraquecimento das políticas de flexibilização tem a ver com menor apoio popular às medidas. Ele argumenta que
Pesquisa Ibope/Rede Nossa São Paulo mostrou que a parcela da população que considerava inadequadas as medidas do prefeito Bruno Covas quanto à pandemia foi de 20% para 35% entre abril e maio. Já os números do governador Joao Doria foram de 21% para 36%. E, para ambos, a quantidade dos que consideram as medidas adequadas foi de 68% para 51%. Os dois, que haviam peitado as posições terraplanistas de Bolsonaro quanto à covid-19, perderam respaldo, como era de se esperar em uma sociedade cansada. Coincidentemente, a quarentena na Grande São Paulo foi flexibilizada.
Isso não foi por enfraquecimento do apoio à quarentena na própria sociedade. O apoio ao lockdown e a quarentena, como pretendo demonstrar , permanece sólido. Esses políticos perderam apoio - assim como Mandetta - por a aplicarem de forma vacilant, por sabotagem interna, passividade voluntária do alto escalão e passividade imposta aos populares. Mas cansaço, não há. Ninguém cansa de ficar vivo. O que cansa é correr riscos desnecessários pra preservar política que tá se preservando. Mas a postura da maioria, em especial a mais pobre, é e deve ser essa aqui até o final:
Quem nega?
‘As pessoas dizem com orgulho que não se cuidam’, diz funcionária da Ceasa do Rio de Janeiro. . “Me chamaram de idiota, escrota sem graça, palhaça, que estava parecendo a tiazinha, uma médica sensual, além dos assédios, super normais de acontecer lá dentro”.
“A comissão de controle hospitalar da unidade está reforçando todas as orientações e protocolos. Todos os profissionais que estiveram na unidade durante o período que o bebê permanece no hospital estão sendo monitorados”, diz a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Materno Infantil sobre um caso que virou notícia do Hospital Materno Infantil, Setor Oeste em 4 de junho de 2020.
Em Santos, litoral paulista, um homem conseguiu na Justiça contra o prefeito da cidade o direito de não usar máscaras em vias públicas. A decisão valia apenas para o homem, individualmente. Ele teve sua identidade preservada pelos meios de comunicação. Uma semana, depois, a liminar foi suspensa e o cidadão anônimo teve que seguir a obrigação dos demais cidadãos de usar a mascara pra preservar a saúde pública.
Mas quem foi contra e a favor?
Seriam os pobres, os ignorantes?
No início da pandemia, nas favelas, 96% dos entrevistados pelo Estadão eram a favor da quarentena, mas sentiam que o governo não estava realizando ações eficazes para ajudar os mais pobres (https://exame.com/brasil/nas-favelas-96-defende-isolamento-social-contra-coronavirus/). Sabemos que o Estadão não é nenhum romantizador do morador de favela. Era uma avaliação realista compartilhada por gente demais pra ser ignorada.
Quase um mês depois, com a renda achatada e passando dificuldade, ainda sólidos 70% eram pró quarentena e defendiam uma política de doações pra garantir que não houve uma fome massiva na favela.
Na população em geral, os dados eram menos impressionantes, mas ainda assim eram sólidos. 76% da população em geral era a favor do isolamentode verdade, não aquele defendido pelo governo Bolsonaro. Com fechamento de comércio e tudo. No nordeste era mais de 80%, no sul chegava a 70%. Mas sempre a maioria.
Quanto menor a renda....maior a porcentagem. Entre quem ganhava até dois salários minímos tinha mais gente a favor de fechar o comércio do que entre quem ganhava mais de dois salários minímos.
Os contrários à quarentena de verdade e mesmo ao lockdown constituíam minoria muito pequena na nossa sociedade. Entre os mais pobres, eram minoria ainda menor.
O sujeito que era contra a quarentena era o tipo que entrou na justiça pra não usar máscara e depois perdeu. Um perdedor isolado.
O que aconteceu ? E hoje?
As pessoas que querem negar a pandemia são poucas, mas não qualquer uma. São Luciano Hang, são um sujeito que consegue manter o anonimato em qualquer meio de comunicação apesar de praticar escândalo, são o presidente da república. Como é possível que essa maioria avassaladora da opinião pública tenha sido ignorada e hoje o Brasil esteja no epicento mundial da pandemia? Três palavras: Sabotagem, assédio e passividade.
A minoria negacionista é pouca, mas não é qualquer uma. Institucionalmente ela é capaz de impedir a ação eficaz de combate a doença, como reportagem da Reuters comprovou a respeito de Bolsonaro ter desmontado a ação do Ministério da Saúde . Como Bolsonaro, existem muitos menores, mas grandes regionalmente, localmente, micro-espacialmente. Entram com ações na justiça, desfazem planos, atrasam. Têm impacto. Demora pra refazer o que desfazem.
A minoria negacionista fala e é mais ouvida. Levantamento da Cambridge e FGV indicam que, após falas de Bolsonaro, o isolamento social diminuiu significativamente em várias cidades que, apesar de terem votado nele, eram a favor da quarentena. Enquanto uma pessoa em Santos inteira lutava pelo direito (e arrancava manchetes) por não querer usar mascara, outra anônima questionava: “vou sobreviver?".
A maioria está passiva. Sem garantias e expostos, é difícil ter tempo e disposição pra disputar opinião e política. As vítimas do assédio moral também durante a pandemia costumam ser as habituais: as mulheres, os negros, os empregados “inferiores”, os subordinados. A questão não é que as pessoa “não se cuidam”. É que estão expostas a quem é contra o cuidado. E não podem se defender. Não basta falar que “protocolos estão sendo seguidos”. É preciso fazer com que a maioria possa ser ativa, possa denunciar, possa se defender.
Ainda somos maioria, mas precisamos defender a maioria. Diminuímos de quase 80% pra 60%, de acordo com a Datafolha. O que nos divide não é o voto em Bolsonaro. É outra coisa: é o respeito uns aos outros, a morte do outro e a garantia das nossas vidas.
O que nos divide é o que divide o pai lutando pelo respeito ao seu luto e o outro que quer chutar a sua cruz.
Precisamos afirmar em alto e bom som a este pai: estamos com você. Antes que seja tarde. Não podemos trair essa coragem.
Nota: As imagens que ilustram o artigo são em ordem de descenso, da revolução espartaquista da Alemanha em 1919. Um amplo movimento se viu isolado e traído em todas as frentes, para no final ser emboscado pelos que seriam os futuros nazis. A última foto é de Rosa Luxemburgo, que foi assassinada durante essa rebelião. Não podemos trair a coragem nunca.