O que o fuzilamento de um carro com um músico tem a ver com o massacre na pandemia?
Por que fizeram questão da matar o catador que foi ajudar também?
Nos autos, o Estadão diz o seguinte:
Por maioria de votos, os ministros do Superior Tribunal Militar decidiram nesta quinta-feira, 23, libertar nove militares presos pelo assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos, de 46 anos, e catador Luciano Macedo que estava em um veículo alvejado com mais de 80 tiros no Rio de Janeiro.
Mas o que é que aconteceu? Onde é que eles querem chegar com isso no meio da pandemia?
“Vocês nos treinam, nos pagam para isso”. disse o presidente profissional em matar. Eu não quero é falar que a polícia tem que matar inocente, não é por aí”. Não precisa falar: se morrer, é porque é suspeito (mesmo se estiver desarmado). O policial não tem de matar nenhum inocente: o suspeito simplesmente é morto. Tal como um objeto cai no chão, puxado pela gravidade. Uma árvore que cai em uma floresta sem ninguém para ouvir. Um não acontecimento. Um nada que deixa de existir.
Para entendermos a lógica do incidente vamos lembrar de outro episódio emblemático de um universo atrás (ano passado, 2019) em que um músico, sua mulher e seus filhos foram metralhados por soldados assassinos por motivo nenhum. Apenas o músico morreu — e um transeunte que se atreveu a não ser cúmplice. Uma semana de silêncio após o incidente e depois de cobranças da esquerda por seu “silêncio ensurdecedor”, Bolsonaro finalmente se manifestou: “o exército não matou ninguém”. Cuma?
“O Exército é do povo. A gente não pode acusar o povo de assassino. Houve um incidente. Houve uma morte. Lamentamos ser um cidadão trabalhador, honesto”. A natureza do incidente que foi noticiado como “homem morre após carro ser atingido” foi contada assim por uma testemunha que estava indo junto para um chá de bebê:
Eu não vi onde foi o tiro, mas eu acho que foi nas costas. Só que a gente pensou que ele tinha desmaiado no volante (…) A gente saiu do carro, eu corri com a criança e ela também. A gente saiu do carro, e mesmo assim eles continuaram atirando (…) Tinha um morador passando aqui na hora, que estava aqui no meio, foi tentar ajudar o padrasto e também foi atingido no peito” (…).
Absurdo né? Inacreditável. Não parece real. Onde estão as instituições, os militares razoáveis? Vamos ver o que pensava o militar mais razoável ao alcance da mão. A “alternativa” Mourão também se manifestou depois de forte pressão da esquerda e da sociedade civil nas redes sociais sobre sua opinião a respeito do incidente em que o homem morreu: “sob forte pressão e sob forte emoção, ocorrem erros dessa natureza”.
Vejam a inacreditável história dos militares absolvidos de acordo com o Estadão:
Inicialmente, o Comando Militar do Leste (CML) emitiu nota dizendo que a ação havia sido uma resposta a um assalto e sugeriu que os militares haviam sido alvo de uma “agressão” por parte dos ocupantes do carro. A família contestou a versão e só então o Exército recuou e mandou prender dez dos 12 militares envolvidos na ação. Um deles foi solto após alegar que não fez nenhum disparo.
Os militares teriam confundido o carro do músico com o de criminosos que, minutos antes, havia praticado um assalto perto dali. Esse crime foi flagrado por uma patrulha do Exército. Havia sido roubado um carro da mesma cor, mas de outra marca e modelo – um Honda City.
Talvez o leitor pense que o erro foram os mortos? Não, o erro foi literal, o tiro errou o alvo: “os disparos foram ‘péssimos’”, já que os 80 tiros só atingiram uma pessoa dentro do carro. “Houve uma série de disparos contra o veículo da família, então você vê que foram disparos péssimos, né? Porque, se fossem disparos controlados e com a devida precisão, não teria sobrado ninguém, o que seria ainda pior a tragédia”.
Fica a lição. Quando os disparos forem controlados, com a devida precisão, não vai sobrar ninguém. Melhor não nos iludirmos quando os executores nos fazem o favor de avisar com tanta antecedência enquanto acobertam seus crimes.
Quando um policial ou militar falar que não quer falar de morte ou de matar no Brasil, não precisa hesitar: eles querem nos matar e nem vão precisar esconder os corpos, pois a justiça já os absolverá de adiantado.
Os nomes dos inocentados são os seguintes:
Tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.
Eles fizeram isso aqui num carro com uma família:
Graças à Justiça, eles e todos os futuros supostos assassinos, supostos escondedores de corpos, supostos negligentes criminosos… todos eles sentem que sairão impunes por tudo isso. Porque acham que seremos cúmplices. Seremos?