O falso horizonte e o pacto suicida(1): o falso horizonte
Quem centra sua política na vida cotidiana das pessoas não conseguiu previr a pandemia, ninguém pôde, mas o comportamento dos gestores públicos e dos patrões não se desviou um milímetro do padrão.
O grande ausente e a busca do pai
Um espectro não ronda o debate político brasileiro: trata-se do espectro da pandemia do novo coronavírus. Chegamos aos 50 oficiais em três meses, mais de mil e quatrocentos mortos oficiais por dia, além de um milhãocasos oficiais de infectados. Enfatizo tanto os oficiais porque os números reais podem ser qualquer coisa de uma a quatorze vezes maior do que isso em termos de infectados, mesmo em estimativas conservadoras. Disse em outro texto que esse crime era sem nome e poucos números agora vemos que essa proporção é mais assustadora do que se imaginava.
Cada pessoa desse intervalo entre 51 mil mortes confirmadas e 14 milhões possíveis infecções, tem família, amigos, entes queridos, ocupa alguma posição política local. É um verdadeiro terremoto no tecido social brasileiro. Vai mudar tudo. Famílias, comunidades, grupos sociais, classes inteiras, cidades, regiões vão todas ser impactadas negativamente e traumatizadas hoje, além de viver as conseqüências negativas depois desse tsunami de mortes e feridos evitáveis.
O Supremo Tribunal Federal esses dias atraiu estridência ao falar o óbvio: "Eu hoje em dia estou mais preocupado com os desdobramentos da pandemia (de corona vírus) e o impacto social que vai produzir na vida das pessoas do que com o risco democrático, que acho que está mais associado à retórica" – “retórica” seriam as estridências a direita e à esquerda que não falam do essencial, mas também não descumprem nenhum acordo social básico. Denunciaram o ministro por “passar pano” para os golpismos da extrema direita. É ingenuidade ou acobertamento similar ao do ministro. Pressupõe que existe um acordo social básico aqui. Nesse sentido tanto o ministro Barroso quanto o restante da Frente Ampla Democrática – que vai do deputado Federal e presidente do Congressso Rodrigo Maia do DEM até Boulos Frente Povo Sem Medo – desconversam do que verdadeiramente importa hoje no país em política. Nisso, também tiram a visão pro do que esse terremoto de mortes pode significar em termos de organização política e social e como Bolsonaro vai tentar explorar politicamente essa situação que está colocada.
Eu acredito que a aposta política dos matadores bolsonaristas atua com binômio: 1) “fique tranqüilo, não vai acontecer nada, não há o que fazer só ele vai resolver” – paralisia tranqüilizadora que recai no fatalismo; 2) precisamos seguir fervorosamente o que diz o líder, sem questionar, ele tem um plano maior que precisamos apoiar e vai dar certo, a questão é quem vai estar junto no final – fanatismo imobilizador imediatista, que também recai no fatalismo. A convergência dessas duas táticas aparentemente opostas se dá na figura do líder carismático – de Bolsonaro agora, mas pode ser qualquer um de esquerda ou direita – e no fatalismo.
Quem aposta no jogo da mobilização imediatista e fanática associada a uma paralisia no cotidiano, alimenta na prática, o corpo político que vem fazendo com que seja possível que esse massacre impensável continue acontecendo no Brasil. Recaem nessa categoria absolutamente todos os atores que se limitam a reagir a notícias, iniciativas e declarações governamentais.
Inevitável? Impossível de prever?
Quem acompanhou o mundo do trabalho deve ter visto que aconteceram mobilizações no call center como o dia nacional de paralisações e redes de solidariedade territoriais como #AjudeUmaFamília do MLB e até mesmo entre vizinhos.
A mobilização em torno do auxílio emergencial de meses foi outra coisa e a forma como o movimento das favelas previu a atual condição também é significativa: quase um mês depois do início da pandemia, com a renda achatada e passando dificuldade, ainda sólidos 70% eram pró quarentena e defendiam uma política de doações pra garantir que não houve uma fome massiva na favela.
As organizações da favela continuam lutando para ter dados e condições de lutar eficazmente para combater a pandemia, tem motivo para acreditar que não. A paralisia diante do covid-19 foi opção ou equivoco político, ainda assim voluntário, de boa parte dos dirigentes que hoje estão na liderança das frentes e organizações políticas de esquerda.
Quem centra sua política na vida cotidiana das pessoas não conseguiu previr a pandemia, ninguém pôde, mas o comportamento dos gestores públicos e dos patrões não se desviou um milímetro do padrão histórico dos últimos anos. O fato de não estarem entendendo nada apenas mostra que a dita esquerda perde tempo com situação que não interessa desviando a atenção para o que não é realmente importante. Se uma derrota de 50 mil mortes não a vai fazer repensar suas táticas, não haverá o que fazer senão enterrá-la.
Vamos, então, ao que interessa: porque o inimigo está vencendo e tende a vencer se continuar assim? Para fazer isso de forma mais rápida e direta, infelizmente, vou ter que dar spoilers de uma animação que está pra ter sua última temporada lançada: Attack on Titan. Quem realmente se furtar a ler uma análise de conjuntura por spoilers de anime pode parar aqui com tranqüilidade pro escritor também.