Médicos Pela Vida: dicas para fugir da corregedoria e parceria com CFM
Fui num curso para ver como iam se atualizar sobre a COVID-19 os que escolhiam aderir à visão de médicos que diziam querer “ousar tratar”.
Fui num curso para ver como iam se atualizar sobre a COVID-19 os que escolhiam aderir à visão de médicos que diziam querer “ousar tratar”. Encontrei um lobby da fabricante da ivermectina Vitamedic e conselheiros federais e estaduais aconselhando médicos como evitar processos éticos na sua prática do tratamento precoce.
Em 23 de fevereiro de 2021 foi publicado um Manifesto pela vida assinado pela Associação Médicos Pela Vida divulgando a opinião desse grupo de médicos sobre o tratamento precoce e um curso para médicos que tivessem interesse em se aprofundar sobre o assunto. Pedi para um amigo médico se inscrever e me deixar assistir as sessões chamadas “super lives de atualização” nas quartas feiras às 20h. Na primeira do dia 10 de março de 2021, estava prevista a participação do vice-presidente do Conselho Federal de Medicina. Antônio Jordão, da organização do curso, falou que ele alegou problemas de ordem maior para não poder participar.
O médico camarada que se voluntariou para se cadastrar no curso para que eu pudesse assistir colocou seu CRM, seu estado, criou uma senha e apareceu seu nome completo no site igual a base de dados do Conselho Federal de Medicina.
Assisti às sessões do mês de março. A organização alegava que estiveram presentes nessa cerca de 2 mil médicos. Presentes em quase todos os encontros estavam as doutoras Lucy Kerr e Nise Yamaguchi. Houve uma sessão internacional com médicos do Peru e da Argentina para “compartilhamento de experiências”.
Na primeira sessão de 10 de março, houve uma orientação sobre a utilização da plataforma. Para a minha surpresa, nela apareceu Carlos Trindade, reitor da UniAlfa, declarou que “fomos nós que criamos e administramos a plataforma” do Médicos Pela Vida “usando dados fornecidos pelo Conselho Federal de Medicina”. Ele também afirma que “foi montado um grupo dedicado (nosso) de suporte para os médicos”.
Além de reitor da Unialfa, Carlos Trindade é diretor tecnológico do Grupo José Alves, conglomerado de empresas que inclui o laboratório Vitamedic – principal fabricante de ivermectina no país. A Vitamedic lançou uma nota em maio de 2020 rebatendo a Merck e alegando que a ivermectina tinha efeitos promissores sim contra a COVID-19. Segundo dados da consultoria IQVIA, a venda da ivermectina saltou de R$44,4 milhões em 2019 para R$409 milhões em 2020.
Na sessão de 17 de março, a conselheira federal de medicina pelo estado da Paraíba Annelise Meneguesso conduziu a sessão. Outro presente era Luiz Guilherme Santos, conselheiro federal pelo estado do Rio de Janeiro e corregedor ético do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ), que deu uma palestra sobre o “reposicionamento de medicamentos”. Ele argumenta que o reposicionamento da cloroquina, por exemplo, é um procedimento que “não é curandeirismo e inclusive faz parte da medicina clássica”. O conselheiro disse que “o que era contra a ética médica era prescrever um paracetamol e dar um oxímetro para o paciente morrer sozinho”.
Luiz Guilherme relatou na sua parte do curso que o que tem chegado de processo “aos colegas do tratamento precoce” é sobretudo por problemas de publicidade. E aconselha: “Cuidado na hora de vocês se expressarem nas redes sociais, nessa forma de sensacionalismo e autopromoção. Ninguém gosta de receber uma cartinha do CFM ou do CRM que está recebendo uma sindicância”. Cansei de mandar cartinha pra doutor. Mas nós somos obrigados mediante qualquer denúncia a fazer. E quando a gente faz isso pode soar como uma perseguição e na verdade não é”.
Luiz Guilherme foi procurado pela reportagem para responder sobre sua participação no curso e não respondeu.
Para os médicos que se cadastram e participam do curso também é disponível a opção de aparecer no catálogo do site. “Os colegas comentam que é chamariz de cliente aparecer no site” diz Alef Lamárk, médico e youtuber. “Mas pacientes meus me contam que, apesar de parecer um ativismo pelo tratamento precoce, as consultas são cobradas – entre R$500,00 e R$1000,00. Aí fica difícil”.
Fui conferir se era assim mesmo e entrei em contato com alguns dos médicos que disponibilizam o nome. Um deles é Matheus Drummond de Minas Gerais. Infelizmente estava sem vagas, mas tinha uma explicação bem clara de como funcionava o esquema: R$500,00 a teleconsulta mais o acompanhamento diário, com exames e receitas digitais.