Jim Jones infectou boa parte da esquerda brasileira
Maurice Brinton nos mostra em texto de 1970 como o maior suicidio coletivo da história foi pactuado e formas que poderiam atenuá-lo ou evitálo.
O tratamento
Por Murice Brinton em Suicide for Socialism?
“Por que mais pessoas não deixaram Jonestown? Era porque eles ficariam novamente sem esperança. Esse era um motivo pelo menos tão potente para ficar como as histórias divulgadas por Jones e sua camarilha interna de que não havia sentido em procurar ajuda em Georgetown, pois o Templo dos Povos também tinha seus agentes lá. . . quem os 'pegaria'. Mesmo quando Ryan e sua equipe visitaram a comuna, apenas 14 dos mais de 900 membros disseram que queriam sair. Para muitos, a figura parece trivial. Para Jones, isso significava catástrofe.
Organizações abertas e não-autoritárias encorajam a individualidade e as diferenças de opinião. Mas a crítica enfraquece o efeito analgésico dos cultos — e a coesão das seitas. Quando um culto é ameaçado tanto o líder como os seguidores podem ficar enfurecidos. A melhor analogia com essa situação é a da reação de abstinência de uma droga que viciou alguém. A crítica diminui o efeito de tais drogas. Como também o faz qualquer sugestão de que o líder não sabe, ou que talvez não existe resposta rápida e fácil para algumas questões”.
A droga
Segue Maurice Brinton, trechos selecionados.
“Jones não era nada senão lógico. Uma vez por semana, havia um ensaio geral para o suicídio em massa. Essas eram as chamadas "noites brancas". "A situação é desesperadora", proclamava. "Nossa única escolha é um suicídio coletivo para a glória do socialismo". A congregação se alinharia e cada um receberia um copo cheio de líquido vermelho. "Em quarenta minutos", Jones dizia: "Vocês todos estarão mortos". 'Agora esvazie seus óculos' .. Todo mundo fez. Descrevendo a noite em que ela testemunhou esse ritual, Deborah Layton - 19 anos, membro do Círculo Interno de Jones (e um dos sobreviventes) - disse: 'todos nós passamos por isso sem protestar. Estávamos exaustos. Não conseguimos reagir a nada '.
As pessoas que passaram pela experiência angustiante da vida em algumas seitas da "esquerda" em momentos de "crise" saberão exatamente o que ela quis dizer. Pessoas emocionalmente e fisicamente esgotadas podem votar que o preto é branco sem piscar as pálpebras. Essa irracionalidade também não está necessariamente confinada a pequenos grupos. As 'confissões manipuladas a longo prazo da Revolução' de alguns dos antigos bolcheviques durante os julgamentos de Moscou continham vários ingredientes semelhantes. (...)
O principal a entender sobre os cultos é que eles oferecem uma 'satisfação' de necessidades não atendidas. Biologicamente falando, essas necessidades (serem amadas e protegidas, compreendidas e valorizadas) são algo muito mais antigo e profundo do que a necessidade de pensar, argumentar ou agir de forma autônoma. Eles desempenham um papel muito mais profundo do que a "racionalidade" na modelagem do comportamento. As pessoas que não entenderam isso nunca entenderão a tenacidade com a qual as crenças de certos cultos se apegam, a maneira como as pessoas inteligentes são apanhadas neles, sua impermeabilidade à reprovação racional ou as lealdades organizacionais de vários membros da seita. A renúncia ao julgamento individual é uma das características de um membro da seita "bem integrado".
O DIAGNÓSTICO
Daqui pra baixo a autoria é minha, Victor Hugo Silva
Mas precisamos entender o seguinte. Se quisermos ter esperança de sobreviver, de construir relações novas em que algumas alegrias ainda sejam possíveis, não basta se oferecer e esperar. É preciso agir. Agindo, estimulamos os outros a também agir sem esperar chamado nem ordem de ninguém. Isso vale para o local de trabalho, mas também vale para as amizades, para as relações de camaradagem que construímos. Vale para conseguirmos reconstruir os fios que nos unem e nos permitem tocar lutas coletivas.
Precisamos reaprender a ajudar sem humilhar, a coligar sem prender, a se fortalecer fortalecendo a autonomia dos outros. Pois não temos garantia nenhuma mais. E quando atinarmos pode ser tarde demais.
Pois, no Brasil dois números assustam, chocam, paralisam, imobilizam, causam ódio, insegurança e eles envolvem a morte
*1778 mortos e crescendo de covid/dia
*1345 homicídios e crescendo (em 2017!)/dia
São dados oficiais do mapa da violência do IBGE e do Ministério da Saúde. O que há de comum entre eles? As vítimas em sua maioria são pobres, negras, em situação de vulnerabilidade. A nossa ordem democrática se fundamenta num mar de sangue de trabalhadores pobres, em sua maioria de pele escura. Qualquer projeto político que se fundamente numa continuidade dessa institucionalidade precisa esconder e apagar esse fato. Agora, com a pandemia, essa má consciência aumenta em intensidade a cada dia.
O massacre da pandemia põe em evidência o anterior — qual o sentido de salvar as vidas que estavam sendo exterminadas um dia antes? É isto que as balas de fuzil dos policiais contra os jovens e velhos solidários, brincantes, organizados para salvar suas vidas coloca em questão para nossa sociedade com esses dois assassinatos brutais. Essa é a pergunta que Lula, Pablo Ortellado, Kleber Mendonça, Marcelo Freixo e Bolsonaro não vão fazer. Porque todos eles assentam seu projeto político em uma estrutura que está banhada em sangue.
É esse projeto que é colocado em questão e que é a motivação de tentarem matar quando matam uma criança em uma comunidade que conseguiu se organizar em quarentena contra a polícia e mesmo prejudicando os lucros do tráfico. É o projeto política de uma república social, humana, uma república da vida, que tentaram matar com João Pedro, com João Vitor, com Leandro. Esse projeto começa com esse gesto básico, simples e persistente da solidariedade entre nós apesar de toda essa violência e bárbarie. De manter a racionalidade, os nossos amores mútuos.
Ainda há tempo, amigos. Vamos voltar para o debate franco, aberto, estimulado pelo que há de melhor em nós. Ainda há tempo.