Dia de despejo e noite de terror no Residencial São Marcos
Priscila Martins Santos , Moradora da ocupação São Marcos, mostra como ficou sua panela e suas telhas após quase ser atropelada na “ação administrativa”
Dia de despejo
Sexta feira, 6 de julho. Vânia Nascimento Santos, 33, trabalhadora informal - estava à trabalho quando recebeu a ligação: “Estão derrubando a sua casa”! Ela veio correndo conversar com os agentes da prefeitura. Pediu 15 minutos pra tirar as suas coisas de dentro da casa. Uma amiga, grávida, se aproximou. “Foi aí que aconteceu... chegou um por trás com o spray de pimenta”. As duas levaram. Sem poder se defender.
A prefeitura respondeu a esse depoimento que: “A GCM informa, que durante o momento da demolição de um dos barracos, foi necessário o uso do spray para conter os invasores, entretanto, de acordo com relatos dos agentes públicos, nenhum ato de agressão foi realizado”.
Outros moradores que pediram anonimato relatam a mesma situação: “Vieram sem mandato, sem nada. Metendo o pé. Não deixaram nem a gente levar nossas coisas”. “Trataram a gente como bandido” reclama Gabriel, outro morador despejado. “Eu tenho filho, estou ajudando a cuidar da minha esposa. E eles não trouxeram justificativas, não deram nem tempo pra conversar”. Por último, alegam que estavam encaminhados para destino incerto, sem seus móveis.
Os moradores alegam que isso não foi claro no momento em que foi lavrada a notificação, nem no momento do despejo. Quanto ao destino dos moradores, eles falaram que não foi oferecido destino certo para eles nem para os seus pertences. As famílias não querem acolhimento pela SEMAS. Temem ficar aglomerados em instalações precárias. “Queremos nossa casinha, não assistência” diz Pricila Martins Santos. Pricila era ambulante na rua 44, polo de comércio têxtil da cidade, vendia bolo de pote, fazia outros trabalhos que agora minguaram com o período da pandemia. Um ocupante anônimo, que era motorista de ônibus da Rede Mobi, também confirmou que quer a casa, não acolhimento.
Vânia Nascimento Santos nos conta como chegou na ocupação: trabalhava como informal no comércio e ficou sem renda na pandemia. O locatário não foi compreensivo, deu ordem de despejo e ela gastou o dinheiro do auxílio emergencial na estrutura da casa – agora destruída. Veja o vídeo em que ela conta sua história.
NOTAS DE RESPOSTA
“A Secretaria de Planejamento e Habitação (Seplanh) informou em Nota à Crônicas do Titanic que “após denúncia recebida, em vistoria local, realizada no dia cinco de junho último, auditores constataram que a área havia sido invadida e que as famílias estavam residindo em construções erguidas com lonas e madeiras. No mesmo dia foi lavrada notificação com prazo para que os invasores demolissem as construções e desocupassem a área pública.”
A Semas ofereceu apoio para as famílias guardarem seus pertences em um depósito da Comurg, abrigo nas casas de acolhimento do Município, almoço e cestas básicas. Também foi verificado se estavam inscritos no Cadastro Único e na Habitação. Nenhuma família aceitou os encaminhamentos da Assistência Social, que permanece articulando a desocupação”.
RESPOSTA DA OCUPAÇÃO
As famílias alegam que o terreno está abandonado há 19 anos, era um terreno de mato alto e que agora começou a ter função social. Foram despejadas cerca de 20 famílias que estavam ocupadas a cerca de seis meses e também um casal de idosos que morava a 20 anos no local. Não havia nenhuma placa ou indicativo de obras para um CMEI no espaço “liberado” pelo despejo.
A ocupação no bairro São Marcos, Goiânia, começou mesmo com a pandemia. Tem um casal de idosos que morava na área a mais de vinte anos, mas a maioria das 15 famílias chegou lá depois de março. “Com essa pandemia perdemos fonte de renda”, conta Tânia “eu trabalhava na rua 44 como vendedora de bolo de pote. E acabou né? Então não consegui mais pagar aluguel”. Outro morador que não quis se identificar conta que trabalhava na Rede Mobi (principal empresa de ônibus de Goiânia) e foi demitido logo no início da pandemia. Foi despejado pelo locatário da casa onde morava. “É uma injustiça a gente não poder trabalhar e eles virem tirar a gente da casa que arrumamos”, reclama o morador.
Presença inexplicável da Polícia Militar - Noite de terror
As famílias despejadas do Residencial São Marcos tiveram que lidar com 17 viaturas da polícia militar que “visitaram” de noite as crianças, mães e familiares. Muitas delas sem placa na viatura. Ficaram por um tempo nas proximidades, chamaram a Guarda Civil Metropolitana e foram embora. Mas o que estavam fazendo lá? Daiane Silva fala que eles chegaram botando todo mundo na parede, puxando a ficha de todo mundo e deram “dez minutos pra saírem da rua”. Mas eles acalmaram quando “os advogados chegaram”.
Não foi a prefeitura que chamou. A Seplahn informa que “não solicitou, neste sábado (4)7) nenhuma ação de desocupação no Residencial São Marcos. A respeito da presença de agentes da ROMU no local na noite deste sábado (4/7), ela se deu por solicitação da Polícia Militar do Estado de Goiás que recebeu denúncia via COPOM de tentativa de invasão de área pública e, ao chegar ao local, constatando tratar-se de área pertencente ao município, solicitou apoio por parte dos agentes municipais visando manter a ordem pública no local”.
Não é também o que a própria polícia disse às famílias e aos apoiadores que lá estavam. Os moradores dizem que a polícia primeiro puxou a ficha de todos que puderam, depois falou que o motivo da abordagem era um gato, uma ligação ilegal de luz, que eles testemunharam. Um vizinho que a reportagem entrevistou confirmou que também ouviu essa versão do suposto gato como origem pra abordagem das mais de dez viaturas.
Felipe Arapian, defensor público e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos foi um dos advogados que chegou e diminuiu a tensão da situação. Ele disse não ter entendido o motivo deles terem ido ao local. Após a chegada de Felipe e a chegada da Romu, foi feito um acordo de deixar as famílias ficarem tranquilas pelo menos até o próximo dia.
A Assessoria da Polícia Militar de Goiás foi questionada a respeito da sua presença ostensiva no dia e respondeu “quais as reclamações dos moradores?”. Não houve mais resposta até o momento.