Agora eu realmente sei o que terrorismo significa
Uma das testemunhas que filmou o assassinato pela polícia relata a sua experiência diante dos protestos... e mais 2 textos sobre a revolta grega que estourou contra a austeridade e racismo desde 2008
A rua tinha sua própria história, alguém escreveu na parede com tinta, ... Era apenas uma palavra LIBERDADE ... mas o transeunte disse que foi escrito apenas pelas crianças. - fragmento de "The Street", uma canção grega da luta contra a ditadura nos anos 70.
Eu lembro que eu dizia pra mim mesmo, alguns anos atrás, que eu vivia numa zona militarizada, com toda a polícia em volta de Exarchia. Agora, eu digo que vivo numa zona de guerra. O que aconteceu em Dezembro, eu nunca acreditei que pudesse acontecer. Para mim, sempre houve um limite, uma linha final, e quando a polícia passou dele, houve uma mudança qualitativa. Tudo mudou. Todo mundo entendeu que havia um certo horizonte para a situação e além dele tudo era diferente. Nós passamos desse horizonte. Não é mais um conflito, é uma guerra.
Por um mês após o assassinato eu senti ódio, mas também um silêncio inacreditável. Era a primeira vez em dez anos que Exarchia estava silenciosa, um silêncio de morte. Era muito desconcertante. Agora eu tive tempo de pensar sobre tudo, mas naquele comecinho eu estava completamente exausto de falar sobre o assunto, todas as perguntas. Eu coloquei o meu vídeo no Indymedia e de lá as estações de TV o pegaram. Logo, jornalistas estavam ligando pra mim constantemente e eu estava vendo meu vídeo em todo lugar. Pelos primeiros meses eu estava num estado muito estranho. Eu nunca estava calmo. Eu fiquei em estado de choque por um mês. Agora eu me sinto melhor, mas toda vez que eu ouço um certo som...a grana de efeito que a polícia usou poucos minute antes deles matarem Alexis acionou um alarme de segurança em uma das lojas, ou talvez um carro. Então durante o vídeo inteiro você ouve um alarme de segurança tocando no fundo. Eu continuei a ver o meu vídeo em todo lugar, ele estava na TV e tudo o mais, e quando eu ouço esse alarme específico no outro lado da rua, o sentimento do tiroteio volta para mim. Eu realmente quero pedir a eles pra mudaram o som do alarme porque todas as memórias voltam pra mim. É inacreditável que um som traga de volta esses sentimentos que tomaram um mês para que eu me recuperasse deles.
O assassinato de Alexis foi a gota d'água. Não há mais tolerância para a polícia. A morte foi tão absurda, tão além dos limites. As pessoas reagiram e continuam a reagir. Elas estão fortalecidas pela ira que foi expressa logo após o assassinato. Haviam muitos outros problemas também, além da brutalidade policial. Esses problemas continuam, mas a pessoas não os toleram mais, não mais.
Eu não sei se Exarchia é mais autônoma agora do que antes. As pessoas, aqueles que são ativos, eles tentam. E eu, eu sempre me senti autônomo, mas agora eu realmente sei “terrorismo” significa. Do dia que eles mataram Alexis até o dia em que o grupo guerrilheiro atacou a polícia, ela não apareceu na esquina onde Alexis foi morto. Mas quando o Luta Revolucionária fez esse ataque, a primeira coisa que a polícia fez foi ocupar o lugar onde Alexis levou o tiro, e eles ficaram lá por 24 horas. E era a tropa de choque, com capacete, armas e tudo o mais. E quando eles vieram no meio dia, eu estava na janela e um deles olhou pra mim. Eu acho que porque durante esse tempo todo o telefone estava tocando, jornalistas estavam ligando e tentando descobrir de onde tinha surgido o vídeo. Quando um dos policiais olhou pra janela, eu gesticulei tipo, “o que você quer?” E ele deu um soco no cara do lado e apontou para mim, e eu ficou completamente aterrorizado pelo modo como eles estavam me olhando. Essa noite, eu ouvi alguns vizinho s falando, e depois chorando, e os policiais estavam parados exatamente no lugar ondeAlexis morreu. Eu saí para ver o que estava acontecendo, e porque eu não conseguira ver eu olhei discretamente pela minha janela e um dos policiais me viu. Eu fiquei aterrorizado então eu voltei de volta pra dentro mas o policial veio para debaixo da minha janela e fez contato visual comigo. Eu achei que eles iam invadir meu apartamento. Então eu fui para a casa do vizinho. Eu estava aterrorizado.
É a isso que eu chamo “terrorismo”. É impossível apenas ficar na minha janela olhando para a rua. Outra vez, em fevereiro eu acho, havia um carro queimando na minha rua, e a polícia veio de novo e ficou olhando para mim, e eu fiquei assustado e voltei pra minha casa. O policial gritou para mim “Então você está se escondendo, é?”, e aí eu percebi, “Que merda está acontecendo, porque eu me escondo?”, então eu fui de volta para a janela e comecei a tirar fotos. E a polícia começou a tirar fotos de mim.
Dá pra ver tudo dessa janela. É por isso que eu estou pensando em colocar uma câmera aqui, para os policiais e também para esses jovens que fazem muitas coisas sem pensar porque eles fazem. Porque em todo lugar há algumas pessoas que podem fazer um pequeno erro e todo o resto tem que lidar com as consequências. Alguns dizem que isso é Exarchia, a única coisa a fazer é queimar as lojas. Mas essa não é a verdade. Há muitas reações possíveis além do dogma de queimar e quebrar.
Então estarei no julgamento do policial que matou Alexis. Eu estava preocupado sobre como eu me sentiria em relação ao advogado de defesa, porque ele está defendendo uma pessoa muito má. Então eu comecei a me preocupar sobre o resultado do julgamento. Se esse policial acabar com apenas dois ou três anos de prisão, eu não sei como eu reagiria. Como você reage a uma decisão de um julgamento como esse? Muitas coisas aterradoras estão acontecendo, nós ouvimos sobre elas e as vemos nas notícias, mas é muito diferente quando você as vê com os seus próprios olhos. Não são apenas palavras, são realidade para você, não há dúvida, não há distância do fato. O assassinato é uma verdade tão absoluta, é como se você roubasse alguma coisa de mim, na minha frente, e então me dissesse que essa coisa nunca existiu. Não é algo que você apenas ouviu a respeito de algum outro lugar. E eu temo muito que se eles determinarem que o policial não é culpado, talvez a minha reação vai me jogar na cadeia. Eu penso sobre isso o tempo todo enquanto me preparo para testemunhar.
Dois anos depois de revolta, um banco queimado em 2010 revela-se ocupado com gente dentro.
Como os movimentos reagem?
As mortes trágicas de hoje em Atenas deixam pouco espaço para comentários – estamos todos muito chocados e profundamente entristecidos pelos acontecimentos. Para aqueles que especulam que as mortes podem ter sido causadas propositalmente por anarquistas, nós podemos dizer apenas o seguinte: não tomamos as ruas, nem arriscamos nossa liberdade e nossas vidas confrontando a polícia grega com o objetivo de matar outras pessoas. Anarquistas não são assassinos, e nenhuma lavagem cerebral por parte do Primeiro Ministro grego Papandreou, da mídia nacional e internacional deve convencer ninguém do contrário.
Com isso dito, e com os acontecementos ainda se desenvolvendo freneticamente, nós queremos publicar uma tradução “bruta” de uma declaração de um empregado do Banco Marfim – o banco cuja filial foi incendiada em Atenas hoje, onde os três empregados tiveram uma morte trágica.
Leia a carta, traduza-a, espalhe-a nas suas redes; contra-informação de base tem um papel crucial num momento em que o Estado grego e a mídia corporativa estão lançando uma ofensiva contra o movimento anarquista aqui na Grécia.
Eu sinto uma obrigação em relação aos meus colegas que morreram tão injustamente hoje para falar publicamento e dizer algumas verdades objetivos. Estou mandando essa messagem para todos os meios de comunicação. Qualquer um que ainda tenha alguma consciência deve publicá-la. O resto pode continuar a jogar o jogo do governo.
Os bombeiros nunca deram uma licença de funcionamento para o prédio em questão. O acordo para que ele funcionasse foi feito debaixo da mesa, como praticamente acontece com todos os negócios e companhias na Grécia.
O prédio em questão não tem nenhum mecanismo de segurança contra incêndio, nem planejados nem instalados – quer dizer, ele não tem chuveiros de teto, saídas de emergência ou mangueiras para incêndio. Existem apenas alguns extintores de fogo portáteis que, evidentemente, não podem ajudar a lidar com um fogo intenso numa construção que foi feita com padrões de seguranças ultrapassados à muito.
Nenhuma filial do banco Marfin deu treinamento adequado a qualquer empregado sobre como lidar com fogo, nem mesmo sobre como usar os poucos extintores. A gerência também usa os preços altos de tal treinamento como um pretexto e não tomarão sequer as medidas mais básicas para proteger seus funcionários.
Nunca houve um único exercício de evacuação em qualquer prédio para funcionários, nem sessões de treinamento por parte dos bombeiros, dando instruções para situações como essa. As únicas sessões de treinamento que houveram no Banco Marfim diziam respeito a situações de ação terrorista e estas eram planjeadas especificamente para uma fuga segura dos “cabeças” do banco em tais situações.
O prédio em questão não tinha nenhuma acomodação especial para o caso de incêndio, apesar da sua construção ser muito frágil em tais circunstâncias e dela estar cheia de materiais do chão ao teto. Materiais que são muito inflamáveis, tais como papel, plástico, fios, móveis. O prédio é objetivamente inadequado para uso como um banco devido a sua estrutura.
Nenhum membro da segurança tem qualquer conhecimento de primeiros socorros ou exstinção de incêndio, apesar deles serem praticamente encarregados da segurança do prédio. Os funcionários to banco tem que se tornar bombeiros ou seguranças de acordo com o apetite do Sr. Vgenopoulos [dono do Banco Marfin].
A gerência do banco proibiu estritiamente os empregados de sair hoje, ainda que eles tenham pedido persistentemente para fazê-lo cedo nessa manhã – enquanto eles também forçaram os funcionários a trancar as portas e repetidamente confirmaram que ela tinha permanecido trancada ao longo do dia, por meio do telefone. Eles até bloquearam o acesso à internet no prédio para prevenir os empregados de se comunicarem com o mundo exterior.
Por vários dias tem havido uma verdadeira terrorirazação dos empregados do banco sobre a mobilização desses dias, com a “oferta” verbal: ou você trabalha, ou você é demitido.
Os dois policiais à paisana que são mandados à filial em questão para prevenção de roubos não apareceram hoje, apesar da gerência ter prometido verbalmento aos empregados que eles estariam lá.
Finalmente, senhores, façam a sua auto-crítica e parem de andar por aí fingindo estar chocados. Vocês são responsáveis pelo que aconteceram hoje em qualquer estado de direito (como os que vocês gostam de usar periodicamente como exemplos principais nos seus shows televisivos) vocês já teriam sido presos pelas ações acima. Meus colegas perderam suas vidas hoje por cukpa da málicia: a maĺicia do Banco Marfim e do Sr.Vgenopoulos pessoalmente, que declarou explicitamente que quem não viesse ao trabalho hoje [5 de maio, uma dia de greve geral!] não deveria se importar em aparecer no trabalho amanhã.
Fonte: Occupied London
Declaração da ocupação anarquista de Skaramanga e Patision em Atenas.
Os assassinos “entram em luto” por suas vítimas
(Sobre a morte trágica de 3 pessoas hoje)
A enorme manifestação da greve que tomou lugar hoje, 5 de maio, se tornou em um escoamento social de raiva. Pelo menos 200.000 pessoas de todas as idades tomaram as ruas (empregados e desempregados, no setor privado ou público, locais ou imigrantes) tentando, ao longo de várias horas e em ondas consecutivas, cercar e ocupar o Parlamento. As forças da repressão apareceram com força total, para cumprir seu papel habitual – o de proteger as autoridades políticas e financeiras. Os confrontos duraram várias horas e foram intensos. O sistema político e suas instituições alcançaram seu ponto mais baixo.
No entanto, no meio de tudo isso, um evento trágico que nenhuma palavra poderia descrever tomou lugar: 3 pessoas morreram devido à fumaça numa filial do Banco Marfim na Avenida Stadiou, que tinha sido incendiado.
O Estado e a escória jornalística, sem nenhum pudor em relação aos mortos e seus parentes, falaram desde o primeiro momento sobre alguns “assassinos-mascarados jovens”, tentando tomar vantagem do acontecido, de modo a acalmar a onda de fúria social que havia irrompido e recuperar sua autoridade que havia sido despedaçada; para impor novamente uma ocupação policial das ruas, extinguir as fontes de resistência social e desobediência contra o terrorismo de estado e a bárbarie capitalista. Por essa razão, durante as últimas horas, as forças polícias têm marchado pelo centro de Atenas, realizado centenas de detenções e também invadiram – com tiros e granadas de efeito moral – a ocupação anarquista “espaço de ação multiforme unificada” na rua Zaimi e o “refúgio imigrante” na Rua Tsadamadou, causando grandes danos (ambos esses lugares estão no bairro Exarcheia de Atenas). Ao mesmo tempo, a ameaça de uma desocupação violenta pela polícia está pendendo sobre os outros espaços auto-organizados (ocupações e refúigios) depois do discurso do Primeiro Ministro que se referiu a incursões nos próximos dias para a prisão dos “assassinos”.
Os governantes, os oficiais do governo, os seus empregados políticos, seus porta-vozes da TV e os seus jornalistas alugados tentam dessa forma purificar o seu regime e criminalizar os anarquistas e toda voz de luta não autorizada. Como se houvesse sequer a mínima chance de que quem atacou o banco (seja lá quem for e supondo que a versão oficial se sustente) poderiam possivelmente saber que haviam pessoas lá dentro, e que eles iriam incendiá-lo sem se importar. Eles parecem confundir as pessoas em luta com eles mesmos: eles que sem nenhum hesitação entregam a sociedade inteiro à mais profunda pilhagem e escravidão, que ordenam seus pretorianos a atacar sem nenhum hesitação e a mirar e atirar para matar, eles que levaram três pessoas ao suicídio apenas na semana passada, devido à dívidas financeiras.
A verdade é que o real assassino, o verdadeiro instigador da morte trágica de hoje de 3 pessoas é o “senhor” Vgenopoulos, que se utilizou da chantagem costumeira de chefe (a ameaça da demissão) e forçou seus empregados a trabalhar nas filiais do seu banco durante um dia de greve – e mesmo numa filial como a da Avenida Stadiou, onde os manifestantes da greve passariam. Tal chantagem é familiar até demais para qualquer um que vivencie o terrorismo da escravidão assalariada cotidianamente. Estamos esperando para ver que desculpas Vgenopoulos irá arrumar para os parentes das vítimos e para a sociedade como um todo – esse ultra-capitalista agora sugerido por alguns centros de poder como o próximo primeiro-ministro num futuro “governo de união nacional” que seguiria ao prevísivel e completo colapso do sistema político.
Se uma greve sem precedentes pode ser uma assassina...
Se uma manifestação sem precedentes, numa crise sem precedentes, pode ser uma assassina...
Se espaços sociais abertos que são vivos e públicos podem ser assassinos...
Se o Estado pode impor um toque de recolher e atacar manifestantes sob o pretexto de prender assassinos...
Se Vgneopoulos pode prender seus empregados dentro de um banco – quer dizer, um inimigo social e alvo primário para manifestantes...
...é porque a autoridade, esse assassino em série, quer abater no nascimento uma revolta que questiona a suposta solução de um ataque ainda mais duro contra a sociedade, de uma pilhagem ainda maior pelo capital,
...é porque o futuro da revolta não inclui os políticos e os patrões, nem os policiais e nem os meios de comunicação de massa.
...é porque por trás da tão propagandeada solução “única”, há uma solução que não fala de taxas de crescimento e desemprego mas, ao invés disso, fala de solidariedade, auto organização e relações humanas.
Quando perguntam quem são os assassinos da vida, da liberdade, da dignididade, os fermentos da autoridade e do capital, eles e seus agregados precisam apenas olhar para si mesmos. Hoje e todo dia.
TIREM AS MÃOS DOS ESPAÇOS SOCIAIS LIVRES
O ESTADO E OS CAPITALISTAS SÃO OS ASSASSINOS, TERRORISTAS E CRIMINOSOS
TODOS PARA AS RUAS
REVOLTA-TE!