1)"Tratamento precoce": pacientes em busca de segurança
Uma percepção positiva vai reforçar sua imunidade, o que parece confirmado pelos testemunhos de sobreviventes.
Das buscas
Não dá pra dizer que todas ou a maioria das pessoas que realizam o tratamento precoce são vítimas passivas de um processo de manipulação. Pelo contrário: nas suas interações elas se mostram pessoas curiosas, ativas que tentam ir atrás do que consideram mais correto. Elas se implicam na busca do tratamento e se responsabilizam por buscar testemunhos, estudos e evidências que corroborem suas crenças. Não se trata da visão popularizada de “gado”. Eles tem uma autonomia relativa.
Assim, esses pacientes recorrem a várias práticas para obter os remédios depois de serem convencidos que se trata do melhor caminho. Eles compartilham em grupos de discussão as estratégias para conseguir os remédios: consulta a diferentes farmácias que tem diferentes procedimentos, busca de médicos simpáticos, busca na internet. Às vezes no grupo perguntam por médicos na região que podem atendê-los. Em alguns a busca já foi até então muito frustrante e os integrantes do grupo tentam usar os próprios para conseguir receitas.
Essa prática é reprimida pelos administradores. Nesse momento aconteceu uma interpelação desse tipo:
Ou seja: a autonomia dos pacientes é sempre relativa às autoridades do grupo e dos médicos que são formalmente capacitadas para de fato garantir seu tratamento com alguma segurança real (ou oficial mesmo). Sozinhos diante do cenário da COVID-19, estão sempre inseguros e buscando validação coletiva. Essa tendência de dependência de figuras de autoridade se reforça diante das interações diretas com os médicos presentes no grupo e ainda mais quando se tratam dos influencers políticos & de saúde:
Aqui temos vários elementos importantes: a autoridade de médico, o trabalho político de influencer, o reforço religioso da segurança das orientações e a comunidade anti-sistema (Indústria Farmacêutica e também contra as conspirações do lockdown). Interessante que um deputado estadual e uma deputada federal, por serem médicos e influencers do lado certo, consigam se colocar como figuras outsiders, antissistema.
Pragmatismo e reforço psicológico
Formalmente, os grupos servem para discussão, troca de informações, dúvidas, vídeos e compartilhamentos de protocolos de atendimento entre pessoas que experimentam a mesma condição de usar ou buscar usar os remédios do tratamento precoce. Isso não quer dizer que eles abram mão de outros cuidados necessariamente - isso é uma possibilidade, mas não é a condição de possibilidade para ser usuário do tratamento precoce.
O que parece unir a todos é a crença de que o remédio dá segurança e tem eficácia na prevenção doença - tem muitos depoimentos, sem a identificação específica das pessoas, em que “só não pegou a doença quem estava tomando a ivermectina”. Isso pode levar a declarações como essa que dão a entender um certo descuido com as medidas de prevenção:
O que pode ser o caso de fato para algumas pessoas que relatam sentirem segurança pra viajar ou andar por aí sem máscara porque tomam os remédios. Esses casos existem, apesar de não serem a maioria dos que se manifestam. Para a maioria a questão é um pouco mais complexa e tem a ver com uma certa disposição espiritual em relação a pandemia. Ela tem a ver, por exemplo, com a política de circulação de notícias no grupo:
Isso condiz com várias falas que se repetem ao longo da conversa de que “o medo e emoções ruins baixam a imunidade”, “estão querendo nos causar o terror”, “querem causar o pânico e fazer as pessoas morrerem”. A situação objetiva da realidade é vista como uma questão de percepção, de controle da circulação das informações e direcionamento dessas informações para um determinado objetivo. Isto é: uma percepção negativa vá fazer com que você acabe aceitando a morte e morra, uma espécie de profecia autorrealizada. Uma percepção positiva vai reforçar sua imunidade, o que parece confirmado pelos testemunhos de sobreviventes. Isso bate com a estratégia governamental de jogar pra invisibilidade o número de mortos e reforçar o número de recuperados, mas é algo que surge espontaneamente na conversa das pessoas como uma necessidade prática pra conseguir sobreviver à pandemia no dia a dia: “com tanta negatividade não vamos conseguir aguentar”.