Quem é Luciana Cruz no "Gabinete Paralelo"?
A médica formada pela Universidade Federal do Pará com residência em anestesiologia se notabilizou com a chamada “experiência de Belém” em maio de 2020
Quem é Luciana Cruz e qual sua influência? A médica formada pela Universidade Federal do Pará com residência em anestesiologia se notabilizou com a chamada “experiência de Belém” em maio de 2020. Ela intermediou junto a Roberto Zeballos, imunologista ligado ao Hospital Albert Einstein, um protocolo para “hospitalizar fora do hospital”. Esse protocolo foi chamado de “protocolo colapso” e permitiu a um grupo grande de médicos prestarem assistência a um número de pacientes que estavam sem possibilidade de conseguir assistência nos hospitais no sistema de saúde colapsado em Belém. O protocolo original incluía um corticoide, dois antibióticos e um anticoagulante, alguns dos quais estavam sendo testados mundialmente pela sua efetividade, mas cuja segurança e eficácia ainda não haviam sido assegurados. Além disso, Zeballos e Luciana estabeleceram procedimentos para tratamento de pacientes “precoces” (nos primeiros sintomas) que precisavam de algum acolhimento com cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D. Esse protocolo foi adotado por esse grupo de médicos ligado a Luciana Cruz e Zeballos, mas também pela Unimed Belém.
O fato de a rede privada estar reproduzindo a proposta dos médicos foi considerado uma evidência de que se tratava de um tratamento eficiente. Em uma live articulada por Luciana Cruz, Vânia Brilhante, infectologista e cooperada da Unimed, diz que “após uma videoconferência com o pessoal da Prevent, decidimos tratar os leves”. Após sete dias a gente saiu do nosso colapso. Depois que resolvemos, ficamos tranquilos e estamos ajudando outros estados com nossa experiência”. O sucesso relatado por Vânia teve apenas dois infartos “provavelmente não relacionados à cloroquina”.
O “protocolo colapso” foi depois formalizado no artigo “científico” “Resolutive results with oral corticosteroids for patients with COVID-19 in pulmonary inflammatory phase. Successful outpatient experience during the collapse of Belém do Pará Health System – Brazil”. Esse estudo foi muito divulgado na rede de pacientes e médicos do tratamento precoce como “prova” que os médicos influencers do tratamento, como Zeballos e Luciana Cruz – autores do estudo –, estavam certos desde o começo. Ele propõe uma série de medicamentos que foram popularizados na rede dos médicos para pacientes de COVID-19.
Pedi a Bruno Caramelli que avaliasse o artigo. Ele afirmou que esse estudo, em primeiro lugar, não foi aprovado pelos pares. Em segundo lugar, o estudo tecnicamente não existe, pois não foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) na Plataforma Brasil – portanto tecnicamente nem deveria ter sido iniciado. Por que não poderia ter sido feito? “Não poderia ter sido feito, pois não foi aprovado. Tem uma série de erros metodológicos e éticos no desenho deste estudo que poderiam ter sido detectados antes, exigindo correção. Daí outro estudo, correto, poderia mostrar outro resultado”, diz Caramelli.
No artigo se diz que: “as medicações usadas foram adaptadas de um estudo criado por Roberto Zeballos com Marcelo Amato para pacientes hospitalizados” em 2020. Amato foi consultado pela reportagem e disse que “apenas teve conversas informais com Zeballos sobre a utilização de corticoides em pacientes com COVID, nada além disso”. Roberto Zeballos não respondeu a pedidos de entrevista da reportagem por Whatsapp, Instagram e telefone.
Como exemplo de prática médica inspirada pelo estudo, reproduzo uma mensagem produzida no grupo #EntreMédicos de Luciana Cruz e Carine Petry:
“Medicamentos que são indispensáveis ter hoje no enfrentamento a Covid-19 novas cepas:
. Ivermectina
. Hidroxicloroquina ou cloroquina cp e para nebulização
. Nitazoxanida
. Predsnisona
. Prednisolona
. Aas
. bromexina xarope e ou ambroxol
. Colchicina
. Dutasterida
. Espironolactona
. Flutamida
. Enoxaparina
. Xarelto
. Dexametasona injetavel IM
. Depo medrol injetavel IM
. Azitromicina
. Doxiciclina
. Claritromicina
. Clavulin
. Ceftriaxone injetal IM
. Aerolin spray
. Clenil spray
. Respiron para fisioterapia domiciliar
. O2 SOS”
Consultei o infectologista Gerson Salvador sobre os remédios preconizados nessa lista de “remédios indispensáveis” e ele me disse que “de todas as drogas aí citadas, os que têm benefício possível são: a colchicina. O possível benefício foi aferido num estudo chamado Cocorona, que foi um ensaio clínico, randomizado, bem desenhado, em que ele mostrou uma diferença no desfecho de internação; é um uma pequena mudança, porque precisava tratar no estudo: a cada setenta e sete pacientes tratados com a colchicina evitava um – o que é um benefício muito pequeno; uma segunda droga que eu tenho que dizer que é um potencial benefício é a budesonida inalatória. Com número pequeno de pacientes, mas mostrou eficácia. Pode ser dado pra pacientes ambulatoriais. Do ponto de vista de tratamento ambulatorial, acabou aí. Os corticoides têm benefício, mas apenas teve mudança em pacientes internados com necessidade de oxigênio suplementar. Em outros grupos, os corticoides dados precocemente além de não terem mostrado nos estudos clínicos fazer diferença no desfecho, tem um potencial malefício, porque o corticoide diminui a ação da nossa própria imunidade e o vírus provavelmente vai se multiplicar com maior liberdade”.
A trajetória de Luciana Cruz não começou aí. Depois desse momento do Pará retratado pelo artigo em que é coautora entre abril e agosto de 2020, ela foi descrita para jornalistas do projeto Comprova como uma das organizadoras do site covidtemtratamentosim.com.br. Paulo Porto, um dos conselheiros, a descreveu como “conselheira do site”.
Ela também aparece como membro do Conselho “Médico-Científico” de Carlos Wizard em reportagem do site neofeed e pelo próprio Carlos Wizard em entrevista para a revista Istoé.
A revista Veja a retratou em reportagem de julho de 2020 como parte de um “conselho médico científico” organizado por Carlos Wizard para defender o tratamento precoce em julho de 2020.
Em setembro de 2020, ela discursou no evento “Brasil Vencendo a COVID” e dizendo que “éramos mais de dez mil médicos”.
Também esteve presente na Missão dos Médicos em Manaus - a terceira da direita para a esquerda.
Hoje ela está a frente do movimento “Entre Médicos”. Falarei desse movimento em uma reportagem a ser publicada em breve.